47% dos profissionais negros sentem que não pertencem ao ambiente de trabalho
08/06/2021
Matéria publicada no site Eu Estudante
Mateus Salomão*
Ana Luisa Araujo
De acordo com pesquisa realizada pela plataforma de empregos Indeed, em parceria com o Instituto Guetto, 47,8% dos profissionais negros não têm a sensação de pertencimento nas empresas em que trabalham. Além disso, 60% dos profissionais entrevistados sentiram discriminação racial no ambiente de trabalho e quase 47% afirmaram ter presenciado cenas de discriminação.
A pesquisa contou com a participação de 245 profissionais negros no Brasil. Como explica o presidente do Instituto Guetto, Vitor Del Rey, as respostas foram colhidas por meio de um painel on-line em março deste ano e inclui estagiários, trainees e efetivos de empresas de diversos portes.
O presidente do instituto destaca que a pesquisa mostra, mesmo depois da ascensão das discussões antirracistas na mídia e em grandes empresas em 2020, que ainda há muito o que ser feito quando se fala de diversidade dentro do ambiente corporativo. Em maio do ano passado, a morte do americano George Floyd gerou uma onda de protestos mundo afora e incitou o debate sobre as diferentes formas de racismo na sociedade.
“Os protestos do Vidas Negras Importam (Black Lives Matter), obviamente, tomaram proporção mundial e é claro que traz um sentimento de indignação com o racismo”, pondera Vitor. “Isso pode refletir em diversas áreas, inclusive no ambiente de trabalho, mas é preciso tomar cuidado para que essa indignação não fique apenas num discurso e isso se transforme também em ações”.
O preconceito, muitas vezes, vem disfarçado de piada, surge em rodas de conversa em tom de brincadeira (o chamado racismo recreativo) ou até mesmo em olhares e diferenças de tratamento, segundo Del Rey. “O RH precisa estar atento porque nem todos vão denunciar uma atitude de discriminação, mas coibir essas práticas e desenvolver ações no sentido de aumentar o senso de pertencimento desses profissionais vai fazer toda a diferença até mesmo na produtividade”, também é preciso criar um ambiente de seguranca instituicional para que o colaborador possa denunciar práticas racista nem que seja de forma anonima, Isso fortalece a posicao da empresa de nao tolerar tais práticas", afirma.
Os entrevistados foram perguntados sobre quais práticas podem ajudar na educação e disseminação de informação dentro das empresas para criar um ambiente mais aberto à inclusão e pertencimento de pessoas negras. 68% dos entrevistados afirmaram que uma formação antiracista continuada pode ser um dos caminhos adotados pela companhia. Além disso, 40% dos respondentes acreditam que um programa de letramento racial também é uma ferramenta eficaz.
Medidas efetivas de combate a discriminação racial e ao racismo precisam fazer parte da cultura organizacional da empresa. “Vemos muitas empresas adotando discursos em prol da diversidade, com programas de recrutamento específicos para profissionais negros, mas é preciso ir além, desenvolver ações que possam ser aplicadas e que façam a diferença no dia a dia da empresa”, ressalta Vitor Del Rey.
Metodologia
A pesquisa foi elaborada e conduzida pelo Indee em parceria com o Instituto Guetto, com 245 profissionais negros no Brasil. As entrevistas foram realizadas por meio de um painel on-line em março de 2021.
47%
dos profissionais entrevistados não tem sensação de pertencimento nas empresas em que trabalham
60%
dos profissionais entrevistados já sentiram discriminação racial no ambiente de trabalho
Representatividade é fundamental
A professora Janaína Andreia Almeida, 44 anos, afirma que um dos fatores que fazem com que os negros se sintam deslocados é a ausência de profissionais pretos e pardos ocupando os cargos de liderança. A identificação não ocorre com outras pessoas e a sensação de pertencimento fica mais difícil ainda de se dar.
“Penso que nós, negros, temos muitas dificuldades de ascensão, justamente por falta de valorização, por, muitas vezes, falta de empoderamento, de pertencimento ao local, falta dos nossos iguais nesses espaços para nos fortalecer”, expõe Janaína. “Não me falta capacitação, não nos falta formação, não nos falta vontade de trabalhar”, diz.
No início da carreira, apesar de gostar do que fazia, segundo o relato da professora, era complicado lidar com as crianças, porque, para elas, uma pessoa negra gerava estranhamento, mas, com o tempo, ela conseguiu conquistar o respeito não só das crianças, mas dos pais e da comunidade escolar.
“É muito difícil que um negro não tenha, em algum momento, no trabalho ou na vida, percebido ou sentido algum tipo de discriminação, de racismo”, constata Janaína.
Ela passou por vários cargos em sua vida profissional: coordenadora pedagógica, diretora de escola, chefe da assessoria especial, assessora especial e secretária executiva da Secretaria de Educação. Mas nenhum deles foi tão desafiador quanto o último. Trabalhar num espaço de tanto poder quanto a Secretaria de Educação ensinou muito à professora.
No começo, Janaína pensou em desistir do convite, mas, por incentivo de outro colegas negros que a admiravam, acabou aceitando. Ela tinha medo de não dar conta e, apesar de aceitar o cargo, começou a duvidar de sua própria capacidade. “Eu comecei a ter síndrome de impostora”, conta.
“Eu achava que o meu conhecimento não era suficiente. E, depois, em conversa com outros colegas, que não estavam no mesmo local que eu, mas também empostos de poder, muitos diziam que se mantiveram porque me viam lá e se fortaleciam com isso”, explica Janaína.
Conforme ela conta, muitas vezes, ia trabalhar de turbante, mas não se sentia confortável. As pessoas diziam que ela devia tomar cuidado. “Elas falavam nossa, mas, como você vai para um evento importante com esse turbante? Você vai ser exonerada pelo governador ou por alguma outra pessoa. Porque fica com outra conotação (o uso do turbante)”, explica a professora.