Burnout: hotéis estão promovendo um ambiente de trabalho saudável?

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16/02/2022

Por Nayara Matteis
HOTELIERNEWS

Após quase dois anos vivendo e trabalhando em meio à pandemia, não é nenhuma surpresa que alguns profissionais apresentem sinais de esgotamento emocional. Na hotelaria, um dos setores mais afetados pela crise, o estresse foi ainda maior. Além da ameaça de possíveis demissões, muitos colaboradores passaram a conviver diariamente com o risco de contágio. Junte tais fatores a uma carga horária pesada e temos o pacote completo para o desenvolvimento da síndrome do Burnout.

É fato que o coronavírus agravou o cenário, mas não é de hoje que muitos profissionais sofrem da síndrome, reconhecida recentemente pela OMS (Organização Mundial de Saúde) como uma doença ocupacional. A crise escancarou ainda mais o problema, pouco abordado pelas empresas até então. A questão é: o que os gestores e lideranças estão fazendo para minimizar a estafa emocional de seus funcionários?

De acordo com o Índice de Bem-estar Corporativo do Zenklub de 2021, o sinal de alerta para o Burnout precisa estar ligado na maioria das empresas. No Brasil, esse indicador recebeu nota 49,25 numa escala de 0 a 100, bem abaixo do índice ideal (78).

O levantamento contou com respostas de mais de 1,6 mil colaboradores de 335 empresas. A pesquisa utilizou um teste com 32 perguntas baseadas em cinco aspectos: burnout, adição ao trabalho, volume de demanda e controle, relacionamento com colegas, líderes e ambiente.

Dependendo da nota, alguns fatores influenciaram positivamente ou negativamente o índice geral. A maior nota positiva foi para o relacionamento com colegas, de 74,68. Entre os fatores que afetaram negativamente o bem-estar geral nas empresas brasileiras, o Burnout aparece como o maior alerta, com os profissionais relatando sintomas de esgotamento.

A startup ainda elencou os setores com o pior e melhor índice de bem-estar no Brasil. Cosméticos, Educação, Agricultura, Saúde e Indústria aparecem como os segmentos com maior qualidade de vida para os trabalhadores. Em contrapartida, Farmacêutico, Recrutamento, Logística, Alimentação e Comunicação foram apontados como os mais desgastantes. Bem ou mal, a hotelaria não aparece em nenhuma das duas listas.

Liderança como canal de abertura


Com sintomas como cansaço físico e mental, fadiga, desânimo e distúrbios do sono, muitos profissionais têm dificuldade em identificar a doença. E quando sinalizadas, comprovar a síndrome para a empresa se torna mais complexo ainda. Agora, vale ressaltar que, quando diagnosticado, o trabalhador tem direito a licença médica de 15 dias, sem descontos no salário.

Para Tricia Neves, sócia da Mapie, as empresas precisam entender que cada colaborador é um indivíduo integral com modelos mentais próprios, crenças limitantes e talentos. “Ninguém é perfeito e os gestores precisam entender que vai muito além das atividades do dia a dia. Cada um precisa gerenciar sua disciplina, sua mentalidade e seu modo de se relacionar com as pessoas. Ter a clareza desses fatores é um ponto de partida, pois pessoas não são recursos humanos."

Diante de um contexto tão complexo quanto lidar com pessoas, as lideranças precisam e devem promover um espaço de conversa, abordar vulnerabilidades e erros. “Não somos máquinas, logo, vamos errar e aprender com isso. E vimos muitos líderes achando que é batendo na mesa que se resolvem os problemas. O ser humano é complexo e demanda flexibilidade e sensibilidade. O jeito que trato meu colaborador pode motivar ou não”, analisa Tricia.

Laini de Melo Silva, gerente geral de Experiência TH da Aviva, ressalta que gestores necessitam exercitar constantemente sua escuta ativa e demonstrar interesse e atenção por seus funcionários. “O líder que se mostra aberto sempre consegue uma solução mais rápida em qualquer situação. A prática constante do feedback gera muita relação de confiança”.

Suavizando a rotina
Na teoria, a carga horária do setor é de 44 horas semanais, em escala de folga mínima seis por um. Em muitos lugares, no entanto, não é bem assim que a banda toca. Com equipes enxutas para redução de custos em função dos efeitos da pandemia no caixa dos hotéis, colaboradores passaram a acumular funções e fazer horas extras para compensar o trabalho de quem saiu.

Luigi Rotunno, CEO do Grupo La Torre, explica que, após a chegada da pandemia, o fator que mais vem desgastando os funcionários é o atendimento ao público. “Os hóspedes estão mais estressados, nervosos, neuróticos e agressivos. Isso acaba sobrecarregando os colaboradores. No La Torre, tivemos até casos de agressão física a uma recepcionista. Acaba com o psicológico de qualquer um”, relembra.

Não é de hoje que Tricia levanta a bandeira de cargas horárias mais suaves no setor. “Por que é necessário trabalhar de segunda a segunda? Será que alguém já reuniu seu time e permitiu que eles fizessem sua própria escala e horários?”, provoca a sócia da Mapie. “São por esses e outros motivos que o desinteresse pela hotelaria é crescente. Não remuneramos bem e estamos perdendo profissionais para outros segmentos. É hora de questionar como foi e o que pode ser diferente ou não teremos pessoas para atuar no futuro”, acrescenta.

Na Aviva, Laini revela que a empresa busca medir cada etapa do trabalho de seu quadro de funcionários para traçar escalas sem sobrecargas. A controladora da Costa do Sauípe e do Rio Quente também incentiva a fala e a escuta, além de celebrar resultados como forma de motivar os colaboradores.

“Um ambiente de trabalho harmonioso está alicerçado em uma comunicação clara e transparente com toda a organização, especialmente entre o líder e seu liderado", avalia. "Por isso, promovemos ações para nos comunicarmos com nossos funcionários por meio de lives, café com a diretoria, pesquisas, treinamentos e avaliações, estimulando assim não só a falar como também escutar”, exemplifica.

Em datas comemorativas, como o Natal, os funcionários da Aviva levam suas famílias para um dia de lazer no Hot Park, com lanches, almoço e programação exclusiva para colaboradores. “Todos os nossos funcionários têm direito a ir uma vez por mês ao Hot Park com a sua família. Trabalhar com turismo e entretenimento faz com que nas principais datas os funcionários não estejam com seus parentes, mas aqui fazendo as famílias dos nossos clientes felizes. Então, decidimos que em nossas celebrações, na medida do possível, as famílias possam participar”, acrescenta a gerente.

De olho na saúde mental


Em janeiro de 2022, o La Torre Resort promoveu a campanha Janeiro Branco, com o intuito de orientar os colaboradores a respeito dos cuidados com a saúde mental. Ao longo do mês, uma série de ações e palestras foram realizadas, assim como meditações e rodas de conversa.

Além das atividades voltadas ao mês de campanha, desde novembro os colaboradores do La Torre já contam com o projeto Sustentabilidade Emocional, que disponibiliza um profissional especializado para ouvir e acolher os trabalhadores uma vez por semana. Os atendimentos são realizados dentro do resort, no horário de trabalho, e podem ter intervenção terapêutica quando necessário.

Rotunno conta que a pandemia foi o gatilho para dar início ao programa que já fazia parte do plano de ação do resort. “Temos atendimentos às quintas-feiras o dia todo, começando às 8h. Os colaboradores agendam um horário com o departamento de RH para passar com o psicólogo. Utilizamos o termo sustentabilidade para dar mais suavidade, pois sabemos que não é fácil falar do nosso emocional”, explica.

O La Torre busca uma abordagem de psicologia positiva, que visa ressaltar os pontos otimistas das situações. Na semana seguinte, o colaborador segue com um acompanhamento via WhatsApp e, em casos emergenciais, as consultas podem ser agendadas fora do dia marcado para o atendimento.

“Não tivemos o registro de nenhum caso extremo até o momento, mas se for necessário, direcionamos a um terapeuta. Também nos disponibilizamos a dar ajuda financeira em situações mais graves. Ao meu ver, é a mesma coisa que uma pessoa precisar fazer uma cirurgia”, diz o CEO.

O grupo alega não ter diagnosticado nenhum colaborador com a síndrome do Burnout e elenca algumas ações tomadas pela empresa para manter um ambiente de trabalho saudável. “No resort, os colaboradores são proibidos de fazer hora extra. Existe um banco de horas recuperadas e disponibilizamos espaços de descanso no jardim, com redes e espreguiçadeiras”.

O empreendimento baiano ainda oferece day off para aniversariantes, linhas de crédito sem juros para problemas de saúde, construção civil ou educação, além de ações como o Outubro Rosa, com mamografias gratuitas para as profissionais.

“Os atendimentos às quintas-feiras estão sempre lotados. Estamos preparados para ampliar o programa, caso necessário. Na campanha do Janeiro Branco, a maior adesão foi das mulheres. Os homens ainda têm certa resistência”, complementa Rotunno.

Em meados de 2019, a Aviva lançou o programa Se Cuida, cujo objetivo é trabalhar três pilares: corpo, mente e transcendência. “Para cuidar do corpo, temos desde práticas esportivas, cuidados e prevenção a doenças até a educação nutricional. Para cuidar da mente, disponibilizamos para todos os nossos funcionários, totalmente gratuito, sessões de terapia através de uma parceria com a Psicologia Viva. Para transcendência, estímulos à leitura e ações de voluntariado”, explica Laini.

Desde setembro de 2021, os funcionários da Aviva têm acesso à plataforma Psicologia Viva, parceria que nasceu na campanha Setembro Amarelo. Atualmente, são realizadas, em média, 50 consultas por mês em cada destino (Rio Quente e Costa do Sauípe), gratuitamente, podendo chegar a quatro atendimentos mensais por colaborador.

Tricia afirma que iniciativas como as da Aviva e do La Torre, felizmente, são cada vez mais comuns. “Tenho visto outros setores realizando reuniões detox para lavar a roupa suja e entender o que está dificultando a entrega. Oferecer ajuda já reduz a metade do estresse e as empresas precisam incorporar isso”.
Matéria  gentilmente cedida por HotelierNews
(*) Crédito da capa: Schutterstock
(**)Crédito das fotos: Divulgação